O geógrafo, anarquista, e criador do educacionismo Piotr Kropotkin viveu de 1842 a 1921. Piotr é referência obrigatória no movimento anarquista internacional, não só por ter lançado em suas obras os fundamentos básicos de grande parte do ideário que iria nortear a história do anarquismo em seus desenvolvimentos subsequentes, mas também pela dedicação integral de sua vida à causa da Revolução Social.
Esta conotação negativa da palavra prevalece até hoje na linguagem popular. Contra esta deturpação do anarquismo que aconteceu durante a Revolução Francesa temos os ensinamentos de Kropotkin que diz que o anarquismo tem suas raízes na Idade da Pedra quando o homem começou a viver em sociedade, pois para ele o instinto de justiça, de cooperação e de liberdade é um instinto natural do ser humano.
O autor na verdade, procurou as raízes do anarquismo não nos filósofos, mas na massa anônima do povo.
É fundamental entender também que dentro da doutrina Anarquista existem muitas variantes, as principais são: o anarquismo individualista; o anarquismo mutualista; o anarquismo coletivista; O anarquismo comunista ou revisionismo educacionista: Aqui está o núcleo central de todos os problemas, desvios e deformações que a ideia do comunismo traz ao revisionismo-educacionista.
No comunismo não há regulação social da economia, o indivíduo é o soberano absoluto na produção e na distribuição dos bens materiais, tudo girando em torno de sua necessidade.
É importante ficar claro que a “necessidade” é algo absolutamente subjetivo e arbitrário, ou seja, enquanto um homem pode ter a “necessidade” de viver e consumir com simplicidade um outro pode ter a “necessidade” de ter tudo a toda hora e, de acordo com o comunismo, nada pode se interpor a esta “necessidade” individual já que ela é o centro em torno do qual gira a própria sociedade.
Tamanho absurdo encontra uma solução autoritária e mecanicista na teoria marxista: a ditadura do Estado Popular se encarrega de condicionar moralmente as massas e de desenvolver ao infinito as forças produtivas com vistas a atingir uma abundância permanente.
Já com Kropotkin e seus seguidores se vai cair no educacionismo, no evolucionismo cientificista e no flerte com o liberalismo.
Kropotkin entende que o comunismo exige um adequada preparação moral das massas para que as “necessidades” de uns não se oponham às “necessidades” dos outros e façam ruir esta verdadeira “cidadela de anjos”.
Assim sendo, de maneira extremamente coerente, Kropotkin assume uma linha política condizente com o evolucionismo biológico que já vinha sistematizando como núcleo de sua elaboração intelectual relativa à história das sociedades humanas.
Para Kropotkin, a humanidade evoluía inexoravelmente rumo a formas elevadas de apoio mútuo e neste processo evolutivo (que guardaria semelhanças com aquele de animais sociais como as formigas e as abelhas) tendia a romper com as estruturas sociais opressivas tais como a dominação burguesa.
Desta maneira caberia aos “anarquistas-educacionistas kropotkinianos” agir de maneira a esclarecer e a educar intelectual e moralmente as massas no sentido de avançar o processo evolutivo que levaria à consolidação do comunismo.
Assim e naturalmente Kropotkin e seus seguidores tenderam a se afastar do movimento operário e se aproximar da intelectualidade burguesa no sentido de convencê-la a trabalhar no sentido de educar moralmente as “massas ignorantes” de proletários, como afirma Kropotkin neste trecho:
“não tardei em reconhecer que não se produziria nenhuma revolução, pacífica ou violenta, enquanto as novas ideias e o novo ideal não tivessem penetrado profundamente na própria classe cujos privilégios econômicos e políticos estavam ameaçados”.
A base de construção de sua teoria vem de sua experiência no governo dos Czares, experiência que nele despertou o horror pelo governo autocrático e a decepção com a indiferença e a corrupção daqueles que representavam o Estado.
Por outro lado, mostrou-se impressionado com o sucesso de colonização em bases cooperativas de exilados na Sibéria. “Comecei a apreciar a diferença que existe entre a ação baseada no princípio do comando e da disciplina e na ação baseada no princípio do entendimento mútuo” .
Sua contribuição como geógrafo baseia-se principalmente nas 50 mil milhas que viajou pelo Oriente elaborando teorias sobre a estrutura das cadeias de montanhas e platôs da Ásia Oriental, articulando estes conhecimentos com a discussão sobre a grande seca que levou povos da Ásia Oriental a migrarem para o ocidente provocando invasões bárbaras na Europa e no Oriente.
Foi também um dos colaboradores da Enciclopédia Britânica. Como fruto destas expedições recebeu convite para assumir a Sociedade Geográfica Russa, mas recusou o convite por pensar que havia coisas mais importantes a se fazer naquele momento como, por exemplo, “lutar por uma sociedade mais justa”. Em 1878 funda o Jornal “Le Révolté” que se tornaria o mais influente dos jornais anarquistas.
Dentre as suas principais obras destacam-se: “Palavras de um Revoltado”, publicado com a ajuda de Elisée Reclus (que também era geógrafo e anarquista), em 1885.
O livro trata da incapacidade dos governos revolucionários, para ele: “Nada se faz de bom e durável senão pela iniciativa do povo, e todo poder tende a matá-la” (KROPOTKIN, 2005, p.10). Faz critica contumaz aos socialistas dizendo que estes estão mais preocupados com a burocracia, enquanto os anarquistas estão mais preocupados com a prática da igualdade. Diz ainda que atos de protestos e revoltas fazem mais propagandas do que milhares de brochuras: “Basta de leis, basta de juizes! A liberdade, a igualdade e a prática da solidariedade são o único dique eficaz que podemos opor aos instintos anti-sociais de alguns de nós” (KROPOTKIN, 2005, p. 11).
No Livro “A conquista do Pão”, publicado em Paris no ano de 1892, é onde Kropotkin desenvolve mais explicitamente a teoria do anarquismo comunista. Nele reúne artigos escritos nos últimos dez anos, onde aborda vários temas da vida cotidiana e problemas sociais que sofria o povo naquele momento – e alguns até hoje – propondo soluções pensadas para um mundo onde a produção seria para o consumo e não para o lucro.
Ele acreditava não se tratar de uma visão de sociedade utópica, mas sim uma discussão presente das razões científicas e históricas dos problemas que afligem a humanidade e da sua superação. Acreditava fundamentalmente que é necessário criar comunas (unidades mais próximas ao povo para suas preocupações imediatas), sendo que estas comunas não seriam impostas por um governo e sim fruto de uma união voluntária: “pela união das outras comunas produzem uma rede de cooperação que substitui o Estado”.
Certamente seu Livro “A ajuda mútua”, publicado em 1902, é o mais conhecido e surge como resposta aos neo-darwinistas que transportaram para o campo social as idéias naturalistas da obra de Darwin como forma de legitimar o imperialismo de países europeus.
Na época. Kropotkin refuta as idéias dos neo-darwinistas defendendo que a ajuda mútua é mais importante para evolução das espécies, pois ela é instintiva e esta presente em todos os seres vivos, sendo ela a responsável pela sobrevivência e proteção dos mais fracos. E que embora força, rapidez, astúcia, cores e peles – mencionadas por Darwin como qualidades que tornam os indivíduos mais aptos – sejam importantes, a sociabilidade é a maior vantagem na luta pela vida.
É o que podemos ver inclusive na vida humana ainda que no capitalismo, pois se não fosse a sociabilidade humana (mesmo que seja alienada) nós não teríamos o conhecimento, as tecnologias e os benefícios historicamente produzidos pelo homem. Kropotkin escreve que a solidariedade é uma qualidade inerente ao ser humano, e que nem as instituições coercivas como o Estado conseguiram acabar com a cooperação voluntária.
Os últimos dias de sua vida foram dedicados a divulgação de seus ideais, morre em 8 de Fevereiro de 1921 pregando que sua maior contribuição foi dar abordagem científica aos ideais anarquistas. Na visão de Woodcock (2002), sua maior contribuição foi promover a humanização do anarquismo e estabelecer uma relação entre teoria e a prática.
Acreditamos que para haver uma verdadeira mudança na sociedade atual o caminho a se seguir é o da crítica radical, é por meio dela que podemos desmistificar e quebrar princípios arraigados na nossa sociedade como, por exemplo, o de se confiar na representatividade política, delegando o poder a outros.
Como ensina Kropotkin, isto acaba com o espírito de ajuda mútua entre os homens, que já não se vêem como participantes e atuantes na sociedade, deixando sempre para que outros façam a melhoria e o desenvolvimento da sociedade. É preciso pensar que por meio de relações mais simétricas podemos construir um desenvolvimento mais humanitário, logo menos material.
Entendemos que os ideais de Kropotkin têm eco entre nós. Neste sentido, é interessante lembrar que ele pregava o ideal de expropriação dos bens da humanidade, onde tudo é de todos, da não-propriedade privada, onde as terras são cultivadas em comum, o princípio da não-autoridade, ou seja, da liberdade e autonomia como princípio, do desenvolvimento livre da ciência e das artes para todos, da produção conforme a possibilidade de cada um e o consumo conforme a necessidade. Por outro lado, acreditamos ser possível encontrar práticas na atualidade que se aproximam destes ideais como as vivenciadas pelas comunidades indígenas.
Existe até mesmo comprovação da existência de outras comunidades no Brasil como pode-se verificar pela pesquisa realizada por Eduardo Roberto Mendes e Rosemeire Aparecida de Almeida junto aos Yubas ( Comunidade Rural Yuba em Mirandópolis – São Paulo) – Revista NERA – ANO 10,N. 11 – JULHO/DEZEMBRO de 2007.
Por sua vez, a continuação e/ou aperfeiçoamento destas comunidades rumo a uma maior igualdade, portanto a superação dos “privilégios” de alguns de seus membros, depende de tempo para que os exemplos dos voluntários convençam pelo apelo moral os mais reticentes (como pensava Kropotkin), entendemos que é preciso também maior diálogo principalmente a respeito deste assunto que nos pareceu ser tratado como “tabu”. Pois, a continuidade das desigualdades pode agravar-se e, com isso, a vida comunitária, em cooperação mútua, dará lugar ao individualismo.
Atualmente vivemos num sistema que venera o individualismo em meio a graves problemas sociais e ambientais, neste cenário as obras de Kropotkin tornam-se atuais, pois elas falam de uma nova sociedade e já podemos vê-la em prática entre os Yubas. Isso contribui para pensarmos e lutarmos por estes ideais comunitários em que o individualismo, o consumo de futilidades, a super produção e o trabalho abstrato não tenham o foco central, mas, sim, o trabalho prazeroso, a arte e o consumo conforme as necessidades individuais de cada um, tendo como base a educação e a ajuda mútua.
*Professora Universitária e Diretora Presidenta do Movimento Educacionista do Brasil -MEB