Existe uma série de organismos internacionais que em seus documentos traçam diretrizes de como o direito à manifestação deve ser garantido e tratado pelos seus países-membros. No direito internacional, os protestos estão protegidos sob a ótica de três direitos essenciais ao indivíduo e aos sistemas democráticos: o direito à liberdade de expressão e os direitos à livre reunião e à livre associação pacíficas.
A liberdade de expressão é um direito amplamente garantido pelos padrões e dispositivos internacionais, sendo parte integrante e essencial para os sistemas democráticos das sociedades contemporâneas, além de significar o direito de todo indivíduo de ter liberdade de opinião e expressão, sem ser molestado por isso. A liberdade de expressão é crucial porque carrega com ela a capacidade de trocar informações e ideias sobre qualquer natureza e por qualquer meio de comunicação, propiciando um ambiente plural e representativo.
O direito a reunião, por sua vez, é um pressuposto para que o intercâmbio de ideias aconteça e também consiste em uma maneira de expressão, como nos protestos. A Organização das Nações Unidas define o termo “reunião” como manifestações, greves, marchas, comícios e até protestos “sit-ins” (protestos não violentos em que os manifestantes permanecem sentados em lugares estratégicos)enfatiza a obrigação dos Estados Membros de facilitar e proteger reuniões pacíficas, incluindo mediações e negociações com a população que as realiza.
É importante mencionar que as considerações envolvendo a temática dos protestos se deram em diferentes épocas e contextos para cada uma dessas organizações, mas de maneira geral elas apontam aspectos comuns que defendem a proteção do direito dos indivíduos de se expressarem indo às ruas. Os pontos levantados pelos organismos se complementam e mostram a preocupação em trazer o tema em um panorama global e propor condutas aos Estados Membros, a fim de que os direitos dos indivíduos desses países sejam respeitados e tenham seus direitos assegurados.
Por que as diretrizes de organismos internacionais são importantes?
Os mecanismos internacionais são recomendações aos Estados Membros desses organismos sobre diretrizes a serem adotadas e seguidas por eles. Quando esses órgãos lançam tratados e os países ratificam esses tratados, eles servem como normativas, ou seja, têm força de lei no país conforme a constituição federal.
Restrições ao direito de manifestação e protesto no direito internacional
O direito de manifestação e protesto assegurado pelos padrões internacionais pode estar sujeito a algumas restrições legítimas, conforme prevê a legislação internacional. Em algumas situações é justificável que se interfira no exercício desta liberdade com o fim de proteger outros direitos humanos, os direitos de outrem ou a própria liberdade de expressão em sua dimensão coletiva.
No entanto, é preciso saber quando e sob quais circunstâncias o direito internacional permite que essas restrições sejam estabelecidas, deixando claro que estes organismos veem as restrições a estes direitos como exceção, ou seja, a liberdade de realizar e participar de protestos deve ser considerada a regra. A proteção dos direitos e liberdade de outros não deve ser usada como pretexto para limitar o exercício da liberdade de expressão e de livre associação e reunião.
Por esse motivo, é reconhecido internacionalmente que o fechamento de vias públicas durante manifestações, por exemplo, não é um motivo legítimo para restringir o direito de protesto, já que um dos objetivos dessa ação é justamente mobilizar e chamar a atenção da população que circula diariamente pelas ruas das cidades. Quando há algum incidente que culmine em atos de violência isolados ou eventuais, é preciso que os agentes da lei atuem na medida certa para dar fim a esses episódios e não comprometer o direito de manifestação de todos e dispersar o evento inteiro.
O Comitê de Direitos Humanos da ONU declarou em 2011 que “quando um Estado membro impõe restrições ao exercício da liberdade de expressão, isso não pode por em risco o direito em si. O Comitê recorda que a relação entre direito e restrição e entre norma e exceção não deve ser invertida”.
Em alguns casos, a violência por parte dos manifestantes pode ser uma resposta à violência de um Estado que reprime desnecessariamente e desproporcionalmente o direito à manifestação. Nesse sentido, o Relator Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais, em seu relatório anual de 2011, atentou para o fato de que, em países onde o direito à liberdade de reunião pacífica é suprimido, há maior probabilidade de que as manifestações que ocorram se tornem violentas.
A participação social, através de manifestações públicas, é importante para a consolidação da vida democrática das sociedades. Em geral, a liberdade de expressão e a liberdade de reunião são de crucial interesse social, o que deixa o Estado com margens muito estreitas para justificar a restrição a esses direitos. Nesse sentido, a regulamentação do direito de reunião deve estabelecer quais as situações em que esse direito deve ser restringido sem intervir no direito fundamental de todos. A intervenção deve ser a exceção e não a regra.
Conheça os posicionamentos dos organismos internacionais sobre os temas relativos a protestos e manifestações:
Corte Europeia de Direitos Humanos
A Corte Europeia de Direitos Humanos assegura que o direito ao protesto está protegido tanto pelo direito à liberdade de expressão quanto pelo direito à reunião pacífica.
Restrições ao direito de protesto
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), intitulado Diretrizes sobre Liberdade de Reunião Pacífica, aponta que as manifestações pacíficas podem se tornar não pacíficas, perdendo a proteção garantida sob as leis de direitos humanos, devendo ser dispersadas de maneira proporcional.
Comissão Africana dos Direitos Humanos
A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estabelece a íntima relação entre o direito à liberdade de expressão e o direito de associação e o direito de reunião, e que há uma violação implícita da liberdade de expressão quando os direitos de associação e reunião são violados.
Convenção Americana
Convenção Americana, ratificada pelo Brasil em setembro de 1992, em seu artigo 13 também consagra o livre fluxo de ideias e avança ao estabelecer que o direito à liberdade de expressão não pode estar sujeito à censura prévia:
O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas às responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
- o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
- a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
A Convenção avança ao determinar que o controle prévio somente poderá ocorrer em uma ocasião, qual seja para proteger as crianças e adolescente dos espetáculos públicos que tenham a capacidade de causar danos à moral da infância e da adolescência. A censura prévia, de forma geral, é proibida.
Convenção Interamericana de Direitos Humanos
A Convenção Interamericana de Direitos Humanos traz garantias a liberdade de reunião em seus artigos 15 e 16:
Artigo 15 – Direito de Reunião
É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
Artigo 16 – Liberdade de Associação
Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que constitui fonte internacional de obrigações para os Estados Membro das Organizações dos Estados Americanos, garante o direito de reunião no artigo XXI, que determina que “Toda pessoa tem o direito de se reunir pacificamente com outras, em manifestação pública, ou em assembleia transitória, em relação com seus interesses comuns, de qualquer natureza que sejam”.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
A Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que a “liberdade de expressão constitui um elemento primário e básico da ordem pública de uma sociedade democrática, o que não é concebível sem o livre debate e a possibilidade de vozes dissidentes serem plenamente ouvidas”
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
No Relatório de 2004, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre Manifestações Públicas como um Exercício da Liberdade de Expressão e Liberdade de Reunião, enfatizou-se que tais direitos, assim como o direito dos cidadãos de realizarem manifestações, são pressupostos para o intercâmbio de ideias e demandas sociais como forma de expressão. Esses direitos “constituem elementos vitais necessários ao funcionamento adequado de um sistema democrático que inclua todos os setores da sociedade”.
Leia também: Organização das Nações Unidas (ONU)